Vício em apostas vira problema em empresas brasileiras

Policial

Dono de empresas com cerca de 2.000 funcionários em Alagoas, Rio Grande do Norte e Mato Grosso, o alagoano Rafael Tenório divulgou um vídeo alertando sobre o problema entre seus funcionários, em 03 de maio. A postagem viralizou, com outros empregadores citando situações semelhantes Brasil afora.

Ao UOL, Tenório diz que foi procurado pelo setor de recursos humanos do seu grupo, que avisou sobre um aumento incomum na quantidade de trabalhadores pedindo adiantamento. Ele afirma nunca ter vivido uma situação como essa em 42 anos atuando como empresário.

Tenório conta ter feito uma experiência: colocou R$ 20 em créditos para seu funcionário apostar no chamado “jogo do tigrinho.” “Ele fez na minha frente, perdeu tudo em 1 minuto e 15 segundos”, conta.

Após a publicação, Tenório afirma ter sido procurado por outros empresários, que relataram a mesma preocupação. “Um deles me disse que tem uma fazenda onde se chega de burro, e o caseiro, que mora em um local isolado, estava enfrentando o mesmo problema, endividado”.

Também ouviu relatos de trabalhadores que estão devendo para bancos e até para agiotas, porque estavam comprometendo suas rendas com jogos.

“Tem relatos de pessoas que afirmaram pensar em tirar a vida. Percebemos que é muito mais grave do que se imaginava e tínhamos de agir, ajudar essas pessoas”, afirma Rafael Tenório.

Baixa no rendimento

O empresário conta que há trabalhadores usando até os celulares da empresa, que ficam com eles, para jogar. Muitas vezes, de madrugada.

Começamos a perceber um baixo rendimento de alguns funcionários que usam celular da empresa e fomos verificar: muitos deles ficavam jogando até as 02h, 03h da manhã. Havia um prejuízo emocional e, claro, no rendimento.”

O empresário convocou uma reunião com todos os gestores para o início de junho. Em julho, diz que vai fazer um evento aberto para debater o tema com psicólogos, psiquiatras e gestores de recursos humanos.

“Eu tenho um caso de uma pessoa com 25 anos de empresa, alto salário e carro da empresa. No mês passado, nos procurou desesperada pedindo para ser transferida porque não aguentava mais as cobranças de dívidas. Tinha gastado em jogos.”

Daniel Sakamoto, gerente executivo da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas), afirma que a preocupação dos empresários com os jogos já é perceptível.

“Muitos lojistas do varejo nos fazem relatos sobre o problema, mas não temos dados. A sensação é que isso tem aumentado no mercado de trabalho, afetando não só a saúde financeira, mas também a mental”, frisa.

O setor de apostas esportivas on-line movimentou entre R$ 100 bilhões e R$ 120 bilhões no Brasil no ano passado, de acordo com um estudo realizado pela XP Investimentos. A pesquisa diz que as pessoas de baixa renda gastam, em média, R$ 58 mensais em apostas online, o que corresponderia a 20% da renda que sobra após pagarem as contas.

“Existe uma preocupação clara com esse aumento, que impacta no consumo das famílias. Vemos que o próprio governo tem tomado muitas medidas, como restringir cartão de crédito como meio de pagamento”, destaca Sakamoto.

Ele se refere a uma portaria publicada pelo Ministério da Fazenda em abril, determinando que o pagamento de jogos on-line só pode ser feito por meio de transferência eletrônica, como Pix. Portanto, sem uso de dinheiro em espécie, cartão de crédito, cheques, criptomoedas ou boletos, por exemplo.

Sakamoto cita a mais recente pesquisa de inadimplência CNDL/SPC Brasil. Ela mostra que o número de brasileiros com alguma dívida em atraso subiu em abril, atingindo 69 milhões. “Esse número não é à toa.”

“Pelo volume financeiro que está sendo movimentado nesse mercado, paralelamente a esse nível de endividamento individual, a gente conclui, sem medo de errar, que existe um impacto social dessas apostas. Temos visto isso tanto no mercado de trabalho como no endividamento das famílias.”

Diante disso, Sakamoto diz que a entidade vai incluir, na próxima pesquisa de hábitos de consumo, os jogos online como opção de resposta para a pergunta “para onde está direcionando gastos?.” “Aí vamos saber se as pessoas já admitem isso e qual é o impacto”, conclui. 

Dependência em jogos de azar

O Ministério da Saúde explica que, por se tratar de um problema atual, ainda não há dados precisos sobre o aumento do número de pessoas buscando ajuda na rede pública. Por ser uma questão de saúde mental, o SUS recepciona casos através da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).

“O tratamento para dependência em jogos de azar não tem uma política específica no âmbito do SUS. No entanto, essa questão pode ser abordada no contexto mais amplo da saúde mental, uma vez que o referido hábito pode estar relacionado a causas como compulsões e depressão, por exemplo. Como o hábito pode estar ligado a outras condições de saúde mental, não é possível calcular o número de pessoas tratadas exclusivamente por esse motivo”, destaca o Ministério da Saúde

Diario Corumbaense

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